segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Matinée


Tenho me lembrado deles, da minha turma, meus amigos, alguns amores, das matinas e matinées naquela cidade dos trópicos...
Tom, o cineasta gentil  que me levou pras sessões de cine-clube. Joel, marxista farrista, com ele tomei meu primeiro pileque na praia de um rio, na meio da selva.
Tinha a Diana, atriz, linda nos palcos vestida de índia, cabelos quase louro com penas e plumas. Casou-se com o Marcos, judeu hegeliano. A Cinara magrela e pernalta, que matava a gente de rir. Também a Maria, baixinha, continha segredos.
Júlio, dono do jeep mais barulhento da cidade no qual íamos para os igarapés nas madrugadas de lua. E o Mauro, ah, o Mauro intelectual e cool... Sion outro judeu, guitarrista da banda de rock da turma, cantava Beatles toda hora e estava sempre ensaiando os rifs que iria tocar nos bailes do fim de semana.

Beto, alto, louríssimo, cabelos longos até os ombros, minha primeira paixão, meu primeiro beijo.Foi pra Europa ser modelo. Choreeeei!!! A segunda paixão foi  Gilson, tipo prima-dona dos palcos, sedutor, não levei vantagem. Choreeeeei!!!
O Pedro largou a faculdade, cansou de usar paletó nas tardes tropicais, queria mesmo era ser jornalista, poeta, cantor, com ele aprendia fazer um lead bacana pras matérias do nosso jornal alternativo que editávamos no porão abafado da casa do Marcos. Nuno, português, claro, cinéfilo responsável pelo cineclube e pelas minhas leituras dos Cahiers Du Cinéma.
Júnia, antropóloga, foi pra Angola participar da revolução. Me ensinou a ler Weber, discutíamos A História da Riqueza dos Homens, O Capital, a pobreza, a independência dos países colonizados e claro, Simone de Beauvoir.
Ely, fazia personagens dramáticos mas era uma figura histriônica. Professor de filosofia, falou sobre a ilusão da caverna de Platão, do vir a ser, do ser e do nada,  da razão prática, do cogito e do agito porque, embora fosse para nós um Sócrates, era na verdade um grande epicurista.
A gente gostava muito das aulas de latim,todo mundo lá repetindo  rosa, rosas rosea, rosa rosas  rosarum. Era divertido declinar os verbos, saber a origem das palavras, aguçava o interesse pela literatura, e todos nós devorávamos livros e mais livros.
Nossos lugares favoritos... bem tinha o quiosque do café que ficava entre o colégio e o quartel da policia, era a terra de ninguém onde se misturavam professores, policiais, estudantes, um ou outro mendigo, índios... Tinha a praça em frente ao colégio onde a gente ficava depois  da aula para marcar encontro no cinema, o baile do fim de semana, ou aguardando o namorado para subir a avenida de mãos dadas. E as escadarias do Teatro Amazonas.
A gente ouvia Cream, Emerson Lake &Palmer, Yes, Gradefull Death, Pink Floyd, Beatles e Rolling Stones. Nas rádio, Janis Joplin gritava summertiiiime! 

Parece que tudo foi apenas isso, uma matinée de domingo, domingos da juventude. Cenas de amor,  cenas vividas ou observadas, cenas arquivadas, frames na memória da vida de então. Matinée vivida em Manaus, a Paris dos trópicos. Porque sempre haviam os  domingos, nossos dias de matinée.
Obs: os fatos são mais ou menos verdadeitos, quando lembramos nem tudo é de verdade como foi. Os nomes das pessoas foram  inventados.

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