terça-feira, 8 de novembro de 2011

NATURAL



Quando estava lá eu sabia:
Era a minha terra, o meu rio, o meu leito de vida.
Simplesmente era assim, natural.
Eu nem sequer pensava que houvessem
Outros lugares,
Outras terras e cores,
Tudo ali já era tanto!
Tanto, não,
Essa palavra nem me ocorria,
Simplesmente era assim, natural.
Azul em cima, do céu, de tamanha verdade.
Azul embaixo, do rio, de tamanha bondade.
Eu tinha o ocre nas mãos, eu plantava,
Eu colhia, fazia tijolos, eu sorria.
Eu tinha o ocre nos olhos.
De muito olhar pro deserto
Meu olhar transbordava a cor das areias.
E eu sorria.
Quando estava lá eu sabia.
Sabia que o papiro dança e rodopia
No vai e vem do vento,
No corre-corre das águas frias, azuis, refrescantes,
Doçuras da vida, doçuras da vida.
Quando estava lá eu sabia.
Sabia que quando o papiro dança
Ele não está sozinho,
Pois baila com o tempo,
Com o toque das garças
Que pousam nas plantas,
Roçam suas plumas,
Leves, pulsantes, brancas,
Reluzindo ao sol.
O sol que é o olho de Deus
Que me vê...
Que me vê.
Quando estava lá
Eu sabia tudo da dança do papiro.
Tudo, porque era o que eu via, dias a fio,
Sem cansar de ver
Porque era assim, natural.
Natural era ver o vermelho, o ocre, o azul,
E saber o sabor das cores,
Porque as cores eram muitas
E entravam no meu ser como alimento,
Coloriam minha alma,
Aqueciam meu peito,
Brilhavam meu olhar.
E eu sorria. 
 A cor era crua, assim, natural
Tal como o limo do rio,
O húmus da terra,
O sumo das uvas.
A cor, sendo crua,
Tinha o doce da tâmara,
Que eu sabia o sabor.
Quando estava lá eu sabia.
Eu sabia das tamareiras, das ervas, das flores.
Do tempo que flui dentro dos juncos
Do tempo que mora nas águas dos oásis.
Quando estava lá eu sabia
Que esse tempo se conta
Ouvindo o canto das estrelas,
Estas que murmuram na noite
No céu do deserto,
Que falam da vida,
Da origem
Do nascimento.
As estrelas falam no céu do deserto
Sobre os mistérios da vida
Que morre e renasce em cada doce da tâmara
Em cada mel da abelha
Em cada lótus aberta,
Em cada broto de vida,
Pois tudo era assim, natural.
Como a voz
Das estrelas no deserto,
Falando do tempo,
Da vida,
De Deus.
Quando eu estava lá eu sabia que tudo era um só,
Tão junto, tão justo,
Como a harmonia
Do azul, de verdade do céu,
Do azul, de bondade do rio.
E, tu sabias, que tudo me veio à lembrança
Quando te senti ao meu lado,
Quando quase ouvi tua risada,
A tua sandália roçando
No chão macio ao meu lado?
Foi quando me dei conta disso e, sabes?
Penso que ainda sei algumas coisas daquilo...
Algo que ficou guardado,
Não sei se nas minhas mãos,
Não sei se no meu olhar...
Sei que ficou
Aqui, em mim mesma,
Me alimentando
 
Do azul, da verdade do céu,
Do azul, da bondade do rio
Que ficou pintado, em harmonia,
Em mim mesma,
Assim, natural.
Natural como o tempo
Que as estrelas cantam no céu do deserto.
E, acho que lembrei,
Quando quase ouvi tua risada,
Que o tempo é assim,
Eterno, natural.
E deságua no ocre dessa minha vida atual,
Assim, natural. 
(Para Nashtar, com o coração agradecido,
por me ajudares na busca do ser natural)